quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

UM CANTO PARA OS HOMENS


Somos homens, martelos nas mãos!
Abraçaremos uma revolução sem fim,
Feita de fogo e jovens,
Uma coisa estúpida como a paixão.
Não haverá um alquimista louco,
Ajeitando seus óculos dourados,
(Esse é um dos mais contínuos movimentos revolucionários).
Não haverá mais a escolha entre o certo e o incerto
Descobriremos no “certo” o nosso oposto
E marcharemos bravos, em busca do caos.
Bravos!
Morreremos de fome e de amor.
Bravos!
Morreremos aos pés dos deuses e dos vermes.
Bravos!
Mataremos todo arquiteto lúcido.
Bravos!
Destruiremos gênero e cor.
E nunca venceremos, nunca a glória,
Nunca a honra, nunca o prazer.
A humanidade do homem
Está no porre e na ressaca,
Na derrota, sobretudo.
E ao grito do nosso ultimo capitão
Eu aguardo sozinho, ouvindo os passos do inimigo.
“À derrota, miseráveis! À derrota!”

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma Estadia na Europa


I
Rouca a voz me saiu vermelha.
Rouco projetei linhas retas,
De um mundo integro e forte.
Rouco cantei à Internacional,
E rouco beijei a boca de Heitor.

II
Éramos parte do grande espectro,
Rondando como índios do terceiro mundo,
Nus, dançamos entre os bárbaros,
Fizemos saltar monóculos, torcer os rostos brancos,
E enrubescer um culto gálico.

III
E éramos livres, índios e cossacos,
Unidos pela foice que fazia correr cadáveres.
Chutamos os versos de Quiron, o sábio,
Buscamos a turbulência,
Nos imiscuímos com os deuses bárbaros.

IV
Forte, tomei uísque entre companheiros,
E chá da tarde com os inimigos,
Emplumei-me ao som de cristais e dores,
Cresci entre as pulgas de albergues
E flertei com o Ancien Régime

V
Voltei como um vulcão perdido,
Já não era eu o mesmo índio?
Meu russo tinha um sotaque francês,
E eu estendia a bandeira do Partido,
Sussurrando versos bíblicos.

domingo, 28 de novembro de 2010

Biografia anônima:


Meu pai era forte, desprovido de traços emotivos.
Minha mãe era a multidão de rostos femininos.
Que dançavam ao redor dos meus sonhos,
Rostos manchados de rosa-chumbo, para mim até hoje vivos.
Um dia vi uma cruz debaixo da cama,
Busquei a cruz, me arrastei.
A cama era o grande palco, onde os rostos sorriam e gritavam.
Eu tive a cruz, coloquei-a perto do meu peito, a beijei.
Busquei a figura histérica, dona da cruz.
Era um sistema complexo de rugas, coberto por triste luxo.
A pele era algo artificial, o pó restaurando o pó que resiste.
Pintada por manchas de um rubro púrpuro, enfeitando corpo murcho.
O salto, imenso, completa um espetáculo que ninguém assiste.
A busca, insana, desesperada, do decote profundo.
A ausência da cruz, adornando os seios, deslizando, salvando, ascendendo.
Um paraíso falso, de silicone plástico, meu desejo, minha fome do mundo.
Nos beijamos, para que minha boca ficasse rosa,
Para que a cruz pertencesse aos dois corpos, sobrepostos.
Acordei com uma velha ao lado, desmontada, abatida.
O medo dela, de si mesma, assustou meu corpo jovem.
Asco, asco de meu pai, asco do meu corpo, asco da cruz.
O meu corpo cresce, torno-me grande como a cama,
Meus pensamentos são vermelhos, como minha roupa
Como um canto sem fim a desconhecida lida.
Eu sou poeta, finalmente, feito Popa.
Feito Popa, Ana, feito Ana.
Ela surge, como a descoberta de terras, poemas, pêlos.
Não-colonizada, não-morenizada, não-alinhada.
Como o desalinho natural dos seus cabelos.
O amor, o sonho, a beleza, a certeza, a luta.
Segue-se o desespero, a tristeza, uma postura bruta.
1980, 1992, guerras, suspiros, lágrimas.
O que você fazia aqui? O que seu olho não viu?
Dormindo entre meus cachos, ignorando o mundo, as vítimas.
Na paz do novo mundo, sobre um berço d’ouro em Brasil.
 Ana, o que daquilo tudo realmente existiu?
Dois mil e seis. O que existiu antes de você?
Um país? Um sonho? Tito? Ana existiu?
Tudo sumiu do mapa, entre loucuras sérvias,
E meu amor servil.

sábado, 20 de novembro de 2010

Diálogo no escuro

Veja bem, não, você vai ter que ouvir. É que você precisa me entender. Como assim por que precisa entender? Porque... porque... Porque eu escrevo o mundo, não faz sentido o mundo se não for uma narrativa minha. Não, eu não sou egocêntrico, você não entendeu ainda. Como é difícil falar com você. Eu não acho que seja Deus, é só que... bom, não dá para ver as coisas de outro modo. Eu apenas vejo as coisas, e só. Mas, o que eu queria dizer é que, o que você quer é impossível. Se eu vejo o mundo e isso resume a minha relação com ele (digo com o mundo mesmo), não existe a opção de você sair dele, você é como a principal mediação entre minha visão e o resto do mundo, e... eu não posso deixar você ir embora, eu acabaria incapaz de ver o mundo de forma sã. O que? Eu não sou louco. Apenas digo o que realmente sinto. Não. Me desculpe, você não pode ir. Não. Chega, ta bom? Você sabe que quando eu fico nervoso eu vejo o mundo de outra forma... eu... o vejo... sem... mediação...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ultimo sermão

            Ele estava furioso, há anos não via sua mãe chorar, “eu mato ele”, disse antes de sair de casa. Sua mãe ainda fez que iria segurá-lo, mas desistiu. Por um segundo ela se permitiu pensar: “Pega ele.” E foi como se ele tivesse ouvido.
            Ele era jovem, forte, estava com raiva. Abriu a porta como se fosse o senhor da casa: “Você nos traiu”. Ele disse engolindo a magoa. O velho o olhou, pouca coisa pode se falar com um homem nesse estado, mesmo que ele seja seu filho.
            Ele correu em direção ao velho, levou um soco na boca, sentiu o sangue entre os dentes, o velho tinha que ser forte, tinha que haver sangue, ele sempre foi seu exemplo,  sempre deu força ao homem que se punha tão ferozmente contra ele. Dessa vez não foi diferente, o velho lhe deu força, e ele quase o matou.
            Os dois, cansados, se encostaram ao chão, o velho seriamente machucado. “Por quê?” ele perguntou ao velho. “Porque eu sou um homem, meu filho, como você”.

sábado, 23 de outubro de 2010

“ O canto do galo canta em nós”

               Eu estava despreparado. Sem munição, sem atenção, ela me deixou fraco. Perdi a conta das noites de amor, sem preocupações, quando ela calou o galo em mim, e eu pude descansar.
                A minha bota, estava empoeirada, minha arma enferrujava esquecida. Eu tirava o chapéu para entrar.
                O vento, então, entrou pela janela. O vento da noite, agourento e terrível, como um bando de ladrões famintos, como o azar. A paz não sobrevive à falta de dinheiro, o homem parado morre por dentro e deixa a morte o levar longe demais.
                Eu acordei quando você saiu. Quando o vento te levou e eu percebi que tinha deixado a janela aberta. Tinha barba crescendo no relógio sem pilha. Chega. Já era tempo de esticar as pernas.
                Depois de anos em casa, perdendo o homem que construí, era hora de encontrar meu verdadeiro amor, tão longe de ti. Os Andes curam a ressaca que você me deixou.

domingo, 26 de setembro de 2010


Estudos sobre Ana:
1-Introdução.

            1.1- Ana nasceu um ano depois de mim, não foi o bastante para que eu pudesse preparar o mundo para ela, então ela nasceu em um mundo completamente inadequado para sua presença. Assim mesmo ela nasceu.
            1.2- Nasceu prematura também – e esses dois meses antecipados podem ter feito toda diferença na questão anterior.
            1.3- Conheci Ana durante as provas de vestibular: -Letras e você?- Seguido de um sorriso impossível de resistir. Ana andava com as pessoas erradas e não terminou o curso de letras. Ana era bela e jovem. Ana também me achou belo.

2- Constituição e fim.

2.1 – Ana tinha olhos castanhos escuros, hoje mais claros. Foi a primeira vez que percebi que os olhos mudam; Ana tinha uma pinta no pescoço, três pintas no seio esquerdo, quatro no direito. Hoje tem pelo menos oito pintas que não tinha antes. Ana tem tendência ao alcoolismo (embora não aceite isso). Ana ainda é bela.

2.2 – Ana foi traída três vezes. Duas delas foram ocasiões abstratas sobre amizade e família; a outra vez, foi por eu ser um babaca; Ana tentou se matar uma vez, fez um aborto e sabe tomar uísque melhor do que qualquer outro ser humano que eu tenha conhecido. Ana acredita em Deus, na Iugoslávia e gosta de citar o Rubaiyat.

2.3 – Ana me deixou.

domingo, 12 de setembro de 2010


Quando eu era jovem, há muito, muito tempo.
E eu era bonito, naquele tempo.
E o mundo, ah! Ele já não fazia sentido.

sábado, 28 de agosto de 2010

bom dia.

Bato a prosa como quem bate o ponto, simples, seco, tonto.

Que o dia é belo ouvi da minha mãe, que o mar é bravo senti com a própria pele.

Em 1998 uma mulher disse que eu deveria ser poeta. Em 1998 eu respirei cigarro e desisti da vida.

Quem não acorda às cinco da manhã para respirar fumaça, não sabe o que é poesia.

Malditos as crianças e os poetas, pois deles é o reino dos céus.

Quanto a mim, tenho trabalho a fazer.