terça-feira, 21 de agosto de 2012

Enfrentamentos I



Não sou homem de nomenclaturas vãs, de caracteres vazios, de tristezas urbanas. Tenho suspiros silvestres e pasto nas tardes ensolaradas. Meu pai era um poeta febril, um doente da vida. Eu canto as manhãs que me acordam com cantos selvagens. Não sou homem de divagações, meu pai, não entendo o sublime. Por isso lhe dirijo todas as palavras que escrevo, pois desenterro cadáveres melhor que metáforas.

Como pensar que já teve força de me carregar no colo, de me encantar a mãe e de lhe dar prazer. Como pensar na tua carne quente, na respiração ofegante, no poder da vida. O velho espectro morto jovem, uma aparência de dar dó. Sou eu mesmo seu filho? Mas as línguas todas cantam quando eu passo: “Lá vai o filho do espectro que anda perdido como o velho pai. O olhar é doente e vadio, e se são outros becos que anda, ainda é nos becos que vai”.

Imagino o meu tambor calando tua flauta, carregando o ar de um som corajoso. Mas covarde é o ar que se vai com o vento, e prefere bailar sob seus acalantos. E sou louco batendo na tampa do mundo sob sua regência ó defunto, sob seu próprio túmulo.  

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Possibilidades perdidas



I
Na ausência de tambores, eu bebo.
Na ausência de tambores, eu grito.
E a loucura se instaura,
espalhando-me pela cidade, aflito.

Onde estão os homens abraçados?
Onde as canções, onde os fuzis?
Onde a fogueira para eu fumar paz ao seu lado,
enquanto olhamos crianças do devir.

Nada disso, ainda o terno e a gravata,
ainda a dor, ainda tudo de novo. E somos fracos.
E nos cobramos multidões, beleza e o preço das coisas.
Que as coisas tem preço, e também nós.

II
Mãe dizia: Tomás, não voe. Se tentar acabará morrendo.
E a janela grande, enorme, imensa, o mundo lá fora e a morte.
A morte, então, o que era? Algo para não se fazer: “Não se morra, meu filho,
nunca”.
Se tivesse voado, se tivesse tentado, eu seria o vento já que morto.
E eu voaria, mãe, eu voaria... Você errou.

III
Pai significa moléstia. Um pedaço de suicídio no meio da vida de um menino. Possibilidade alta de infecção: “Filho de peixe...” blá blá blá. Fazer isso com um menino! Pai não é ausência, é presença negativa constante. Um fantasma pesado, duro, concreto, como os pesadelos mesmo.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Elefante

Vaidoso, se impõe ao horizonte,
em sua extensão de Gigante.
E perambula, africano, pelos jardins da Europa,

Ah, o doce sabor das pessoas do norte,
Ah, o cinismo com o qual você as prova,

Se pende para a direita,
Transforma em terror, em morte,
Constrói edifícios e dólares,
Compactua, indecente com o norte.

Se pende para a esquerda,
Derruba impérios e torres,
Destrói famílias, crenças e amores,
E me toma, sob o seu peso doce.

Mas, sólido, permanece firme,
Sem tombar para os lados humanos,
Homogêneo, completo, inteiro.
Vencendo paisagens, imagens, visões...

Ah, o doce sabor das pessoas do norte
Ah, o cinismo com o qual você as prova

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

UM CANTO PARA OS HOMENS


Somos homens, martelos nas mãos!
Abraçaremos uma revolução sem fim,
Feita de fogo e jovens,
Uma coisa estúpida como a paixão.
Não haverá um alquimista louco,
Ajeitando seus óculos dourados,
(Esse é um dos mais contínuos movimentos revolucionários).
Não haverá mais a escolha entre o certo e o incerto
Descobriremos no “certo” o nosso oposto
E marcharemos bravos, em busca do caos.
Bravos!
Morreremos de fome e de amor.
Bravos!
Morreremos aos pés dos deuses e dos vermes.
Bravos!
Mataremos todo arquiteto lúcido.
Bravos!
Destruiremos gênero e cor.
E nunca venceremos, nunca a glória,
Nunca a honra, nunca o prazer.
A humanidade do homem
Está no porre e na ressaca,
Na derrota, sobretudo.
E ao grito do nosso ultimo capitão
Eu aguardo sozinho, ouvindo os passos do inimigo.
“À derrota, miseráveis! À derrota!”

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma Estadia na Europa


I
Rouca a voz me saiu vermelha.
Rouco projetei linhas retas,
De um mundo integro e forte.
Rouco cantei à Internacional,
E rouco beijei a boca de Heitor.

II
Éramos parte do grande espectro,
Rondando como índios do terceiro mundo,
Nus, dançamos entre os bárbaros,
Fizemos saltar monóculos, torcer os rostos brancos,
E enrubescer um culto gálico.

III
E éramos livres, índios e cossacos,
Unidos pela foice que fazia correr cadáveres.
Chutamos os versos de Quiron, o sábio,
Buscamos a turbulência,
Nos imiscuímos com os deuses bárbaros.

IV
Forte, tomei uísque entre companheiros,
E chá da tarde com os inimigos,
Emplumei-me ao som de cristais e dores,
Cresci entre as pulgas de albergues
E flertei com o Ancien Régime

V
Voltei como um vulcão perdido,
Já não era eu o mesmo índio?
Meu russo tinha um sotaque francês,
E eu estendia a bandeira do Partido,
Sussurrando versos bíblicos.

domingo, 28 de novembro de 2010

Biografia anônima:


Meu pai era forte, desprovido de traços emotivos.
Minha mãe era a multidão de rostos femininos.
Que dançavam ao redor dos meus sonhos,
Rostos manchados de rosa-chumbo, para mim até hoje vivos.
Um dia vi uma cruz debaixo da cama,
Busquei a cruz, me arrastei.
A cama era o grande palco, onde os rostos sorriam e gritavam.
Eu tive a cruz, coloquei-a perto do meu peito, a beijei.
Busquei a figura histérica, dona da cruz.
Era um sistema complexo de rugas, coberto por triste luxo.
A pele era algo artificial, o pó restaurando o pó que resiste.
Pintada por manchas de um rubro púrpuro, enfeitando corpo murcho.
O salto, imenso, completa um espetáculo que ninguém assiste.
A busca, insana, desesperada, do decote profundo.
A ausência da cruz, adornando os seios, deslizando, salvando, ascendendo.
Um paraíso falso, de silicone plástico, meu desejo, minha fome do mundo.
Nos beijamos, para que minha boca ficasse rosa,
Para que a cruz pertencesse aos dois corpos, sobrepostos.
Acordei com uma velha ao lado, desmontada, abatida.
O medo dela, de si mesma, assustou meu corpo jovem.
Asco, asco de meu pai, asco do meu corpo, asco da cruz.
O meu corpo cresce, torno-me grande como a cama,
Meus pensamentos são vermelhos, como minha roupa
Como um canto sem fim a desconhecida lida.
Eu sou poeta, finalmente, feito Popa.
Feito Popa, Ana, feito Ana.
Ela surge, como a descoberta de terras, poemas, pêlos.
Não-colonizada, não-morenizada, não-alinhada.
Como o desalinho natural dos seus cabelos.
O amor, o sonho, a beleza, a certeza, a luta.
Segue-se o desespero, a tristeza, uma postura bruta.
1980, 1992, guerras, suspiros, lágrimas.
O que você fazia aqui? O que seu olho não viu?
Dormindo entre meus cachos, ignorando o mundo, as vítimas.
Na paz do novo mundo, sobre um berço d’ouro em Brasil.
 Ana, o que daquilo tudo realmente existiu?
Dois mil e seis. O que existiu antes de você?
Um país? Um sonho? Tito? Ana existiu?
Tudo sumiu do mapa, entre loucuras sérvias,
E meu amor servil.

sábado, 20 de novembro de 2010

Diálogo no escuro

Veja bem, não, você vai ter que ouvir. É que você precisa me entender. Como assim por que precisa entender? Porque... porque... Porque eu escrevo o mundo, não faz sentido o mundo se não for uma narrativa minha. Não, eu não sou egocêntrico, você não entendeu ainda. Como é difícil falar com você. Eu não acho que seja Deus, é só que... bom, não dá para ver as coisas de outro modo. Eu apenas vejo as coisas, e só. Mas, o que eu queria dizer é que, o que você quer é impossível. Se eu vejo o mundo e isso resume a minha relação com ele (digo com o mundo mesmo), não existe a opção de você sair dele, você é como a principal mediação entre minha visão e o resto do mundo, e... eu não posso deixar você ir embora, eu acabaria incapaz de ver o mundo de forma sã. O que? Eu não sou louco. Apenas digo o que realmente sinto. Não. Me desculpe, você não pode ir. Não. Chega, ta bom? Você sabe que quando eu fico nervoso eu vejo o mundo de outra forma... eu... o vejo... sem... mediação...