domingo, 28 de novembro de 2010

Biografia anônima:


Meu pai era forte, desprovido de traços emotivos.
Minha mãe era a multidão de rostos femininos.
Que dançavam ao redor dos meus sonhos,
Rostos manchados de rosa-chumbo, para mim até hoje vivos.
Um dia vi uma cruz debaixo da cama,
Busquei a cruz, me arrastei.
A cama era o grande palco, onde os rostos sorriam e gritavam.
Eu tive a cruz, coloquei-a perto do meu peito, a beijei.
Busquei a figura histérica, dona da cruz.
Era um sistema complexo de rugas, coberto por triste luxo.
A pele era algo artificial, o pó restaurando o pó que resiste.
Pintada por manchas de um rubro púrpuro, enfeitando corpo murcho.
O salto, imenso, completa um espetáculo que ninguém assiste.
A busca, insana, desesperada, do decote profundo.
A ausência da cruz, adornando os seios, deslizando, salvando, ascendendo.
Um paraíso falso, de silicone plástico, meu desejo, minha fome do mundo.
Nos beijamos, para que minha boca ficasse rosa,
Para que a cruz pertencesse aos dois corpos, sobrepostos.
Acordei com uma velha ao lado, desmontada, abatida.
O medo dela, de si mesma, assustou meu corpo jovem.
Asco, asco de meu pai, asco do meu corpo, asco da cruz.
O meu corpo cresce, torno-me grande como a cama,
Meus pensamentos são vermelhos, como minha roupa
Como um canto sem fim a desconhecida lida.
Eu sou poeta, finalmente, feito Popa.
Feito Popa, Ana, feito Ana.
Ela surge, como a descoberta de terras, poemas, pêlos.
Não-colonizada, não-morenizada, não-alinhada.
Como o desalinho natural dos seus cabelos.
O amor, o sonho, a beleza, a certeza, a luta.
Segue-se o desespero, a tristeza, uma postura bruta.
1980, 1992, guerras, suspiros, lágrimas.
O que você fazia aqui? O que seu olho não viu?
Dormindo entre meus cachos, ignorando o mundo, as vítimas.
Na paz do novo mundo, sobre um berço d’ouro em Brasil.
 Ana, o que daquilo tudo realmente existiu?
Dois mil e seis. O que existiu antes de você?
Um país? Um sonho? Tito? Ana existiu?
Tudo sumiu do mapa, entre loucuras sérvias,
E meu amor servil.

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