terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ultimo sermão

            Ele estava furioso, há anos não via sua mãe chorar, “eu mato ele”, disse antes de sair de casa. Sua mãe ainda fez que iria segurá-lo, mas desistiu. Por um segundo ela se permitiu pensar: “Pega ele.” E foi como se ele tivesse ouvido.
            Ele era jovem, forte, estava com raiva. Abriu a porta como se fosse o senhor da casa: “Você nos traiu”. Ele disse engolindo a magoa. O velho o olhou, pouca coisa pode se falar com um homem nesse estado, mesmo que ele seja seu filho.
            Ele correu em direção ao velho, levou um soco na boca, sentiu o sangue entre os dentes, o velho tinha que ser forte, tinha que haver sangue, ele sempre foi seu exemplo,  sempre deu força ao homem que se punha tão ferozmente contra ele. Dessa vez não foi diferente, o velho lhe deu força, e ele quase o matou.
            Os dois, cansados, se encostaram ao chão, o velho seriamente machucado. “Por quê?” ele perguntou ao velho. “Porque eu sou um homem, meu filho, como você”.

sábado, 23 de outubro de 2010

“ O canto do galo canta em nós”

               Eu estava despreparado. Sem munição, sem atenção, ela me deixou fraco. Perdi a conta das noites de amor, sem preocupações, quando ela calou o galo em mim, e eu pude descansar.
                A minha bota, estava empoeirada, minha arma enferrujava esquecida. Eu tirava o chapéu para entrar.
                O vento, então, entrou pela janela. O vento da noite, agourento e terrível, como um bando de ladrões famintos, como o azar. A paz não sobrevive à falta de dinheiro, o homem parado morre por dentro e deixa a morte o levar longe demais.
                Eu acordei quando você saiu. Quando o vento te levou e eu percebi que tinha deixado a janela aberta. Tinha barba crescendo no relógio sem pilha. Chega. Já era tempo de esticar as pernas.
                Depois de anos em casa, perdendo o homem que construí, era hora de encontrar meu verdadeiro amor, tão longe de ti. Os Andes curam a ressaca que você me deixou.

domingo, 26 de setembro de 2010


Estudos sobre Ana:
1-Introdução.

            1.1- Ana nasceu um ano depois de mim, não foi o bastante para que eu pudesse preparar o mundo para ela, então ela nasceu em um mundo completamente inadequado para sua presença. Assim mesmo ela nasceu.
            1.2- Nasceu prematura também – e esses dois meses antecipados podem ter feito toda diferença na questão anterior.
            1.3- Conheci Ana durante as provas de vestibular: -Letras e você?- Seguido de um sorriso impossível de resistir. Ana andava com as pessoas erradas e não terminou o curso de letras. Ana era bela e jovem. Ana também me achou belo.

2- Constituição e fim.

2.1 – Ana tinha olhos castanhos escuros, hoje mais claros. Foi a primeira vez que percebi que os olhos mudam; Ana tinha uma pinta no pescoço, três pintas no seio esquerdo, quatro no direito. Hoje tem pelo menos oito pintas que não tinha antes. Ana tem tendência ao alcoolismo (embora não aceite isso). Ana ainda é bela.

2.2 – Ana foi traída três vezes. Duas delas foram ocasiões abstratas sobre amizade e família; a outra vez, foi por eu ser um babaca; Ana tentou se matar uma vez, fez um aborto e sabe tomar uísque melhor do que qualquer outro ser humano que eu tenha conhecido. Ana acredita em Deus, na Iugoslávia e gosta de citar o Rubaiyat.

2.3 – Ana me deixou.

domingo, 12 de setembro de 2010


Quando eu era jovem, há muito, muito tempo.
E eu era bonito, naquele tempo.
E o mundo, ah! Ele já não fazia sentido.

sábado, 28 de agosto de 2010

bom dia.

Bato a prosa como quem bate o ponto, simples, seco, tonto.

Que o dia é belo ouvi da minha mãe, que o mar é bravo senti com a própria pele.

Em 1998 uma mulher disse que eu deveria ser poeta. Em 1998 eu respirei cigarro e desisti da vida.

Quem não acorda às cinco da manhã para respirar fumaça, não sabe o que é poesia.

Malditos as crianças e os poetas, pois deles é o reino dos céus.

Quanto a mim, tenho trabalho a fazer.